BRUMADINHO: MAIOR OPERAÇÃO DE BUSCAS DO PAÍS COMPLETA MIL DIAS SEM DATA PARA FIM E SEM RESPONSABILIZAÇÃO DE CULPADOS
O rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), completa mil dias nesta quinta-feira (21) sem previsão para que
a maior operação de buscas do país chegue ao fim e sem que
os responsáveis pelo desastre tenham sido punidos.
“São mil dias de dor, de saudade, de
luta, de busca... de impunidade”, diz a geógrafa Alexandra Andrade, que perdeu
o irmão, Sandro Andrade, e o primo, Marlon Gonçalves, além de inúmeros amigos e
conhecidos na tragédia.
Em quase 2 anos e 8 meses, 262 vítimas foram encontradas e identificadas. Mas oito famílias seguem vivendo,
dia após dia, o sofrimento da espera pela localização dos corpos. Para essas pessoas, mesmo o calendário apontando
o correr dos dias, o relógio parece ter parado às 12h28 da última sexta-feira do mês de janeiro de
2019, momento em que a estrutura da
barragem B1 ruiu na mina do Córrego do Feijão.
“Apesar de terem se passado mil dias,
a gente ainda está com aquela sensação de estar lá no dia 25 de janeiro de
2019. (...) A dor e a saudade só aumentam, mas a gente tem a esperança de que
pelo menos todos vão poder ter um enterro digno dentro da possibilidade. Então
isso é um acalento”, diz a professora Natália de Oliveira.
Nesses mil dias, ela tem acompanhado
de perto o trabalho do Corpo de Bombeiros na procura pela irmã, Lecilda de
Oliveira, e pelas outras vítimas desaparecidas.
Impunidade
O período transcorrido desde o
desastre não foi suficiente para a localização de todos corpos nem capaz de trazer respostas à cobrança por justiça.
"Quase três anos da
‘tragédia-crime’, quase três anos também de impunidade, ninguém preso, ninguém
punido. A gente quer que as empresas sejam responsabilizadas e que as pessoas
que contribuíram para o rompimento da barragem também sejam punidas",
afirma Alexandra, que atualmente preside a associação dos familiares de
vítimas.
Em janeiro de 2020, o Ministério
Público de Minas Gerais (MPMG) apresentou à Justiça mineira a denúncia pelas 270 mortes. Além da Vale e da TÜV SÜD,
empresa alemã responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem, 16
pessoas foram denunciadas, incluindo o ex-diretor presidente da mineradora
Fabio Schvartsman.
Nesta terça-feira (19), entretanto, a
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular o recebimento da denúncia por entender que o caso deve analisado pela
Justiça Federal. Com isso, os
denunciados deixaram de ser réus.
Logo após o anúncio da decisão, o MPMG afirmou que vai recorrer.
Mais
agilidade nas buscas
Enquanto o processo criminal segue a
passos lentos, as buscas pelos desaparecidos podem ganhar mais agilidade.
Desde que janeiro de 2019, mais de 4,1 mil militares de Minas Gerais atuaram em
Brumadinho, o que corresponde a cerca de 70% do efetivo do Corpo de Bombeiros
no estado. A cada semana, atualmente, entre 50 e 60 militares chegam à Base
Bravo, mas esse número já chegou a centenas e contou com reforço de bombeiros
de 15 estados e do Distrito Federal.
Ao longo dos últimos mil dias, as
características dos mais de 11 milhões de metros cúbicos de rejeitos despejados
da barragem se transformaram, e a corporação acumulou experiência, aperfeiçoou
técnicas e investiu no trabalho de inteligência.
Com isso, as fases de buscas adotadas
em campo foram se modificando e, há cerca de um mês, a oitava estratégia foi
colocada em prática. Trata-se da implantação das chamadas estações
de busca, equipamentos desenvolvidos especificamente para Operação
Brumadinho. Parte do maquinário foi importada da Finlândia.
“Com essa estratégia, a gente deve
conseguir aumentar significativamente a velocidade de vistoria dos rejeitos,
pode acelerar em até quatro vezes”, diz o porta-voz do Corpo de Bombeiros,
tenente Pedro Aihara.
Nesses mais de dois anos, os
militares conseguiram vistoriar superficialmente toda a área do desastre, que
soma cerca de 290 hectares, o que equivale a aproximadamente 290 campos de
futebol. Entretanto, a altura atingida pela lama varia ao longo do terreno,
podendo chegar a mais de 15 metros em alguns pontos. Em termos de volume, até agora, 4 milhões de metros cúbicos
passaram por vistoria.
Segundo Aihara, a experiência em
Brumadinho mostrou que incidência de encontro de seguimentos corpóreos e outros
indícios significativos para as buscas estava relacionada à granulometria do
rejeito e, por isso, o olhar deveria ser direcionado às partículas maiores.
De acordo com o tenente, as estações
de buscas foram desenvolvidas para possibilitar a separação do rejeito em
fragmentos maiores e menores. A previsão é que, no mês que vem, mais um
equipamento passe a funcionar em Brumadinho e, até o início do ano que vem,
outros três sejam instalados, totalizando cinco.
O material depositado na área de
buscas é transportado por caminhões até a estação. O rejeito é colocado em uma
abertura e passa por uma peneira em vibração e, depois disso, dependendo da
granulometria, o material é direcionado para esteiras diferentes.
Para o tenente, independentemente da
técnica ou do tempo de buscas, esperança é uma palavra que
sempre permeou o trabalho dos bombeiros em Brumadinho. Se, nas
primeiras horas após o desastre, havia uma ansiedade em resgatar pessoas ainda
com vida, agora a perseverança guia os militares em direção à expectativa de
levar um pouco mais de conforto às famílias das vítimas com a adoção da nova
estratégia.
"Quando a gente consegue
entregar esse alento para a família, acaba fazendo sentindo para gente. É um
trabalho muito desgastante, estressante, mas é uma operação que tem um porquê e
esse porquê está muito ligado à razão de existir da corporação", afirma.
Segundo Aihara, o compromisso do
Corpo de Bombeiros é seguir com as buscas até que as 270 vítimas
sejam localizadas ou enquanto houver condições fáticas para a realização dos
trabalhos.
Natália, que ainda vive a angústia da
espera pela despedida da irmã Lecilda, acredita que agora esse sentimento possa
estar mais perto do fim.
“A gente acredita muito que vai dar
uma agilidade. Eles falam que eles vão ficar até a última joia ser encontrada.
E a gente acredita nisso, a gente vive isso e a gente tem uma gratidão infinita
por essa operação de busca. A gente tem essa esperança, a fé em Deus que toda
família vai ter o dia do encontro”, diz.
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